Era a final do primeiro campeonato estadual interbairros. Na
verdade, final era meio exagero, porque ia ser o único jogo.
A idéia tinha vindo do Juca, numa conversa no bar, porque
todo mundo achava que o solteiros e casados já estava mesmo perdendo a graça. O
problema é que ninguém tinha dinheiro para divulgar direito o campeonato, então
só se inscreveram eles, o pessoal do bairro vizinho e um outro bairro do outro
lado da cidade, que ninguém sabia como tinha ficado sabendo do campeonato.
Mas o tal bairro tinha sido desclassificado porque no dia do
primeiro jogo o ônibus deles quebrou no meio do caminho e a Dona Matilda,
mulher do Seu João dono do açougue, que estava patrocinando o campeonato com
carne para o churrasco, disse que era uma afronta deixar todo mundo assim
esperando.
Então a grande final ia ser mesmo entre eles e o pessoal do
bairro vizinho. Grande rivalidade, inclusive tinha dado uma baita briga pra ver
quem ia ficar com o Formiga. Isso porque a rua que o Formiga morava ficava bem
na divisa dos dois bairros. Ele até jogava no time dos casados toda semana,
então o pessoal achava que ele devia jogar no time deles. Mas alguém do bairro
vizinho resolveu ir no correio e verificar pelo cep, que era uma coisa de lei,
e tinha confirmado que a rua do Formiga pertencia mesmo ao bairro vizinho. Mas
aí o Seu Jair, dono da venda, disse pro Formiga que então ele que fosse comprar
as coisas dele na venda do bairro dele, que ele que não ia ficar vendendo coisa
pra Judas. Então o Formiga resolveu que não ia jogar em time nenhum, para não
perder a amizade. Além do que o Seu Jair era o único que ainda vendia fiado pro
Formiga.
Sem o craque do time, o pessoal resolveu caprichar na
defesa. Chamaram o Cabelo e o Alemão para jogarem de beques. O Cabelo era o
melhor defesa que já se viu. Manhoso que só, tinha várias técnicas de derrubar
o adversário sem o juiz marcar falta. Já o Alemão não era alemão coisa nenhuma,
era norueguês, ou búlgaro, ou alguma coisa por aí. Mas como ninguém entendia
direito o que ele falava, todo mundo chamava ele de alemão mesmo, que é lá por
perto. Esse alemão era muito ruim de bola, mas tinha um chute, que como dizia a
tia Irene, parecia mais um “raio leise” de tão forte. O Ubaldo, compadre da
tia, dizia que isso era por causa das comidas lá dos gringos, que tinha muito
mais “sustança” que a nossa. O Ubaldo é um que entende muito dessas coisas de
política. Ver o Alemão correndo na sua direção dando aqueles gritos de jujitsu
alemão era uma coisa que assustava qualquer atacante.
E a confusão começou mesmo com o Alemão e o Cabelo. Isso
porque com cinco minutos de jogo o centroavante adversário ficou sozinho com a
bola na cara do gol. O Cabelo, no desespero, foi lá e deu um baita beliscão na
bunda do centroavante e ele chutou pras arquibancadas. O juiz nem viu nada, mas
o cara não gostou de ser beliscado assim sem mais e xingou a mãe do Cabelo. O
Alemão, que não entendia essas sutilezas da linguagem, achou que o cara estava
mesmo xingando a Dona Edna, mãe do Cabelo. Acontece que ele gostava muito da
Dona Edna, que sempre oferecia pra ele café com bolinho. Aí o Alemão foi lá e
enfiou um sopapo na cara do centroavante que o sujeito deve estar até hoje com
o ouvido zumbindo. O juiz, que não conhecia o Alemão, foi lá esticou o cartão
vermelho bem na frente do nariz dele. Pra que? Tiveram que vir cinco pra
segurar o Alemão. E mesmo assim, quando conseguiram, o juiz já estava
nocauteado. Alemão é povo brabo. Pra saber é só ver o estrago que eles fazem
quando resolvem guerrear.
Depois disso foi um fuzuê que não tinha mais quem segurasse.
Briga forte mesmo, de soco e voadora. O Formiga, que como já disse é meio
tucano, resolveu entrar no campo pra tentar um deixa disso e acabou com o nariz
quebrado. Além disso, a Dona Edna, que também não tinha gostado nada da “petulança”
do centroavante, acabou acertando um quindim no padre do bairro vizinho,
achando que ele era o bandeirinha, porque ele tava lá gritando e sacudindo a
bandeira do time deles. E ainda disse que foi bem feito, porque “onde já se
viu? Padre tem é que levantar cruz, não bandeira de time”. Aí o bate-boca
continuou também pelas arquibancadas.
No fim, o delegado entrou em campo e levou todo mundo pra
dar explicações na delegacia. Só que o Alemão não conseguiu explicar nada, ou
ninguém entendeu o que ele explicou, e teve que passar a noite no xilindró. Mas
depois o delegado levou pra ele dois espetinhos e uma cerveja do churrasco de
confraternização.