segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Papo Confuso em: A Serious Man


- Mimetismo.
- Sei.
- É aquele negócio que os bichos fazem, se disfarçando de outros bichos para escapar dos predadores.
- Eu sei o que é mimetismo. Que que tem?
- Tem aquela mariposa com cara de coruja nas asas.
- Tem aquele sapo pedra.
- Tem aquela borboleta folha.
- Tem aquele polvo areia.
- Tem bicho-pau!
- Sei, mas o que que tem?
- Tem que eu acho uma idiotice se disfarçar de folha. Tem que ter um cérebro de borboleta pra achar que isso é uma boa ideia.
- Cara, é uma questão de sobrevivência, não uma festa a fantasia.
- Então, mas aí você se salva dos predadores de borboleta e acaba comido por uma lagarta.
- Isso vale como canibalismo? Ou fratricídio?
- Não sei, acho que em alguns estados vale até como incesto.
- Sou mais o sapo pedra.
- Aí você vai ser uma pedra pulando esmagada por uma manada de elefantes.
- Na boa, véi, você tá pensando tudo ao contrário.
- Eu sempre penso tudo ao contrário.
- A própria existência da espécie prova que a estratégia é vencedora.
- Virou palestrante motivacional?
- O sapo que não era pedra gerou vários sapinhos, alguns mais parecidos com pedra do que outros, esses sobreviveram mais e geraram mais sapinhos, alguns mais pedra outros menos. Os mais pedra sobreviveram mais. Adaptação!
- Parece uma praga bíblica.
- É Evolução.
- E tudo na base da cagada?
- Tudo na base da cagada. Todos os vencedores e todas as batatas são, no final das contas, na base da cagada.
- Sei não...
- Você é um vencedor! Imagina quantas gerações de mulheres tiveram que não estar com dor de cabeça para você poder nascer.
- E você é uma besta. Só o fato da tua mãe ter dado pro teu pai já é um milagre.
- Ela diria que foi uma grande cagada...
- Imagina se a mariposa cara de coruja dá de cara com uma coruja de verdade no cio.
- Putz, se eu fosse uma coruja no cio comia a mariposa cara de coruja só de raiva.
- Diz que foi o que o Ronaldo fez.

Papo Chapado


Idéias Chapadas Que Pegaram Parte I

- Pô, véi, sinuca é legal.
- Só... Não sabia que televisionava.
- Só quando não é na mesma cidade.
- Sabe o que seria mais legal? Se a mesa fosse gigante.
- Hahahaha, só! Aí o cara ia ter que acertar a bolinha de lonjão!
- Hahahahaha, cê tá chapado!
- Hahahahaha, fala sério! Podia botar a bolinha de um lado da sala e o buraco do outro!
- Meu, que louco! E se botasse o buraco a quilômetros de distância da bolinha?
- Ha, ha, haaaaaa, da hora! E botava umas árvores e um lago no meio do caminho pra ficar mais legal.
- Pô, mas aí ia ficar muito difícil!
- Não faz mal, podia diminuir um pouco a bola e aumentar um pouco o buraco.
- Só...
E assim surgiu o belo jogo de golf.

domingo, 9 de setembro de 2012

Papo Confuso


- Saudades da Aeromoça...
- E você por acaso conhece alguma aeromoça para ter saudades?
- Também, mas não isso, saudades da Aeromoça, o arquétipo.
- Nisso você tem razão, a aeromoça era romântica.
- A aeromoça era sexy.
- A aeromoça seduzia com um sorriso e um olhar.
- A aeromoça te levava para o céu e te servia drinks.
- É praticamente o paraíso de algumas religiões...
- A aeromoça, como o marinheiro, deixava um amor em cada cidade.
- A aeromoça, como a bailarina, não tinha chulé.
- Mataram a aeromoça...
- Mataram a aeromoça!
- Agora é comissária de bordo...
- Comissária de bordo!!
- Cheira cana.
- Cachaça?
- Não, prisão. A comissária te leva para o comissariado com suas terríveis torturas no porão.
- Cheira tirania. O comandante, os comissários e você, rebanho, a base da cadeia alimentar.
- A comissária de bordo não pede, ordena.
- A comissária de bordo não seduz, amedronta.
- A comissária de bordo não te serve, te faz um favor.
- A comissária de bordo é nazista!
- Menos.
- Vontade de surrar o sujeito que transformou a doce aeromoça nessa comissária chá de boldo!
- A culpa é do Homem.
- A culpa é sempre do homem... Mas por que?
- O cara não suportava ser chamado de aeromoço.
- Aeromoço é meio gay.
- Então, o Idiota não aceita que sua virilidade seja posta em questão.
- Aí virou isso, o comandante, o comissário de bordo e a aeromoça.
- A donzela desamparada, ainda mais base de cadeia alimentar que nós, passageiros.
- A aeromoça reivindicou igualdade.
- E virou comissária de bordo.
- Virou, e esse é o mal da humanidade.
- Já disse, cara, menos. Você se empolga e transforma a coitada da comissária no mal da humanidade?
- Não, o mal da humanidade é que ao invés da mulher suavizar o homem, o homem embruteceu a mulher.

* para JuP, minha aeromoça predileta

A Moça da Parede


- Bom, é uma história antiga. Deve ter já uns vinte e poucos anos. Dizem que ele era um cara bonitão.
- Não parece.
- Mas naquela época era. Andava sempre bem vestido, tinha um carrão. Sempre muito educado, mas meio quieto. Parece que trabalhava no centro, em algum banco. Gerente de investimentos ou coisa assim. Morava a uns dois quarteirões da minha casa, mas na época eu não morava aqui. Quem contou tudo foi um amigo do meu pai, que também mora por perto e conheceu ele nos bons tempos.
- E aí?
- Então, parece que no caminho para o trabalho, passava sempre por essa rua, de carro. Um dia, veio um grupo de grafiteiros e pintou esse muro inteiro. Cada um ficou com um pedaço. Na maioria, eram desenhos comuns, como esses que a gente vê em muitos grafites pela cidade. Mas um destoava do grupo. Um artista amador resolveu usar seu pedaço de muro para uma obra mais elaborada. Levou várias semanas, mas acabou ficando quase uma obra renascentista: Uma moça sentada a penteadeira, escovando os cabelos em frente do espelho. Na pintura, a moça estava sentada de costas, só se via seu rosto no espelho.
- Parece bonito
- Não era. O “artista” estava bem longe de ser um Michelangelo; os ângulos, as distâncias e as luzes estavam todos errados. Dizem que era desconcertante. Ninguém sabe precisar exatamente o ponto, talvez o olhar estranho da moça, talvez a forma impossível que a cabeça formava com o reflexo no espelho... A verdade é que o conjunto da obra causava um certo asco em quem olhava, um arrepio na espinha meio inexplicável. Dizem que o próprio pintor ficou desgostoso e deixou de pintar. Meu pai conta que a tia dele Irene fazia o sinal da cruz toda vez que passava por aqui.
- Mas o que o velho tem a ver com isso?
- É aí que entra a parte mais estranha da história.
- Mais estranho que aquilo ali?
- Sob certo ponto de vista, sim. Como eu disse, ele passava todos os dias por aqui de carro e deve ter sido assim que viu a pintura. Nesse ponto da história ninguém sabe exatamente o que aconteceu, só dá pra imaginar. De alguma forma, o cara ficou fascinado pela moça da parede. Todo dia ele diminuía a marcha do carro para apreciar um pouco melhor os detalhes do desenho. Um vizinho disse que uma época ele parou de ir de carro para o trabalho, provavelmente para poder admirar melhor a moça; ia a pé. Mas veja bem, são uns três quilômetros daqui até o centro. Parece que ele se apaixonou por uma imagem que outras pessoas não conseguiam olhar por mais que alguns instantes.
- Caramba!
- Pois é. Ele começou a vir aqui todos os dias no intervalo do almoço, talvez se sentasse nesse mesmo banco que estamos sentados agora. A fascinação se transformou em obsessão. Começou a sair mais cedo do trabalho e chegar mais tarde. À noite tem muito pouca luz por aqui, mas uma vez um guarda pegou ele de madrugada com uma lanterna apontada para a moça da parede e acabou levando ele pra delegacia. Um amigo do amigo do meu pai contou, que um cara que trabalhava com ele no banco disse, que nessa época ele já passava o dia inteiro distraído no trabalho. E disse que depois encontraram umas fotos do muro numa gaveta da escrivaninha dele. Mas isso não é certo. O fato é que depois parou de vez de ir para o trabalho, não se sabe nem mesmo se chegou a ser demitido. Passava o dia inteiro por aqui, andando de lá pra cá. Ficava horas meio que hipnotizado, parado em frente ao reflexo da moça no espelho...
- Foi aí que aconteceu a desgraça. Uma noite veio aqui o pessoal da prefeitura e pintou de bege todo o muro, apagando todos os desenhos e a moça da parede. Talvez algum funcionário novo tenha achado que não ficava bem um muro de cemitério todo pintado com grafites alegres. Dizem que quando ele chegou de manhã e viu o novo muro ficou alucinado. Gritou, esperneou, rasgou as roupas, bateu no pessoal da prefeitura que ainda estava por aqui. Mas já era tarde, a moça já não existia mais. Chegaram a internar ele por alguns dias, depois acabaram soltando. E é isso, desde então ele nunca mais saiu daqui, o velho do muro, é como todos o chamam. Faz parte da parede, como um dia a moça fez.

Os dois terminaram os últimos goles do almoço e continuaram olhando para o outro lado da rua, onde o velho continuava arranhando freneticamente o muro bege, já marcado em vários pontos com o sangue de muitos anos.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

O Achamento


 A Pero Vaz de Caminha, escrivão da armada do Cabral, sobre o achamento.
Essa carta é extra oficial, portanto trate de queimá-la depois de ler.
Caminha, você sabe que eu gosto de você e tenho te protegido todos esses anos apesar da sua letra ser horrível. Mas que diabos de carta idiota é essa que você me mandou?
Eu li. Quer dizer, li não porque definitivamente não consigo entender seus garranchos. Leram pra mim. Esse que é o problema. Agora espalhou-se o boato pela corte que vocês não acharam nada que preste nessas terras novas. Só mato e gente pelada.
Pelo amor de Deus Pero, sabe quanto dinheiro está me custando essa expedição? Eu esperando ouro e pedras preciosas e o que vocês me mandam? Arcos, flechas e penas de papagaio! O que você quer que eu faça? Saia vendendo artesanato pelas ruas para tentar pagar a fortuna que gastei nessa viagem? Ai, ai...
O pior é que está todo mundo rindo pelas minhas costas. Teve até um palhaço que teve a audácia de gargalhar nas minhas fuças. Ficou apontando pra mim e berrando: "perrdeu, merrmão, perrdeu!" Nem sei o que ele quis dizer com isso, mas mandei cortarem-lhe a cabeça por via das dúvidas. Mandei enforcar também um conselheiro imbecil que só ficava repetindo: "eu te disse, eu te disse, mas eu te disse". Nossa, como odeio isso!
E agora? O que vou dizer pro parvo do Fernão e pra bruaca da Isabel? Você sabe que estou querendo casar com a filha deles. Convenhamos, não acho que seja uma boa idéia conversar com os sogros sobre "três ou quatro moças, bem novinhas e gentis, com cabelos muito pretos e compridos pelas costas; e suas vergonhas, tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as nós muito bem olharmos, não se envergonhavam". Os carolas vão me chamar de pervertido, e com razão. Só você mesmo para me escrever tamanhas barbaridades.
Você sabe que os desgraçados estão enchendo o bucho de ouro lá na parte deles. Aquele doido do Cristovão não pára de mandar navios carregados. E eu recebo papagaios!
Era isso que eu esperava que você tivesse me escrito:
"Chegamos e encontramos palácios com pisos e paredes de ouro. Entramos, chutamos alguns nativos, demos alguns tiros e pegamos todo ouro, prata e pedras preciosas que pudemos. Mande mais navios porque esses que temos já estão cheios".
Mas não! Recebo a porra de uma carta dizendo que não tem nem pedras, nem ouro, nem prata, nem especiarias, nem merda nenhuma de valor, mas tem "bons ares" e "águas infinitas" e "muito bons palmitos" e "de tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo". Ótimo! Vamos abrir a porra de um resort no meio do nada. Ou talvez Portugal resolva plantar batatas no fim do mundo. O próximo passo será, quem sabe, importar queijo da lua.
Caminha, toca pra Calicute. E vê se faz uma grana pra mim por lá. Sei que já passamos por muita coisa juntos, as farras na casa da baronesa e coisa e tal. Mas sua burrice já está passando dos limites. Juro que se ouvir de novo que vocês ficaram dançando com os beiço-de-osso mando todo mundo pras masmorras. Bando de incompetentes!
Ah! Antes que eu me esqueça, fala pro Pedro mandar umas moças dessas bem novinhas que você falou pro Kaiser. Ouvi dizer que os boches gostam dessas coisas. Talvez essa seja uma maneira decente de diminuir os prejuízos. De repente a gente consegue até abrir um novo mercado com esse negócio.
Sem mais,
El-Rei D. Manuel, o Venturoso.

Obs. Esse manuscrito foi encontrato em Calicute, entre os pertences de Pero Vaz de Caminha, que por motivos desconhecidos não acatou a ordem do rei de queimá-lo. Fez-se aqui uma tradução e adaptação livres, pois de outro modo a maioria dos termos não seria inteligível. Resta informar que um parágrafo inteiro da carta, entre o penúltimo e o último, estava completamente rasurado, o que impediu sua transcrição. Provavelmente continha alcunhas de baixo calão relacionadas a pessoa de Pero Vaz.

* Texto originalmente publicado no extinto e saudoso Garotas Que Dizem Ni.